segunda-feira, 4 de março de 2013

Abrindo a Caixa de Pandora



Tomamos a liberdade de publicar uma carta de um servidor do Itamaraty, diga-se de passagem: MUITO BEM ESCRITA E VERDADEIRA, que anda circulando na Internet:


"A propósito da recente denúncia de assédio moral contra o Cônsul-Geral do Brasil em Sidney (e também contra seu Adjunto), repercutida em matérias e manifestações em frente ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, impõe-se uma certeza: este é momento de abrir a Caixa de Pandora da diplomacia brasileira e discutir publicamente sua arcaica e precária forma de gerir recursos humanos.

Gritos e xingamentos são a parte mais visível de assédio moral no Itamaraty e nem para esses casos, tão óbvios quanto numerosos, há punição. Inacreditavelmente, porém, esse não é o pior assédio moral a que tantos funcionários, diplomáticos ou não, são submetidos reiteradamente. A maior parte dos casos acorre em silêncio, sobretudo em Postos no exterior, quando o indivíduo está ainda mais vulnerável e distante de qualquer possibilidade de se fazer ouvir. Vários servidores já tiveram que deixar seus Postos porque a “chefia" perseguiu quem se recusou a cumprir ordens sem respaldo legal. Mais numerosos ainda são aqueles que trabalham no setor de administração ou de contabilidade e se viram coagidos a aceitar "interpretações"peculiares do que diz a lei e, pior do que aceitar, a ter que se responsabilizar por elas. Até o momento, a atitude do Itamaraty a priori, a posteriori e ad infinitum tem sido a de classificar qualquer queixa, evocação de direitos ou pedido de esclarecimentos como insubordinação, transformando imediatamente a vítima em culpado. Até quando?  
A maioria dos funcionários do Ministério das Relações Exteriores, diplomáticos ou não, são pessoas de comportamento íntegro e grande compromisso com a causa pública. Poucas instituições brasileiras tem funcionários mais bem preparados, devotos e dedicados. Apesar disso, entretanto, a linha tênue entre o público e o privado continua sendo de difícil demarcação. Não deixa de ser curioso notar que o Ministério refire-se a si mesmo como ‘A Casa’. Essa pretensa familiaridade costuma ser invocada, em geral, para justificar todo tipo de abusos,como, por exemplo, legitimar o poder de uma categoria 'funcional' sem mandato oficial ou aprovação por concurso público: as Embaixatrizes. Quem se atreve a contrariá-las, sabe bem a briga que está comprando.

A devoção ao Ministério e a tudo que lhe diz respeito, aí incluídos culto à personalidade, temor reverencial e desejo de emulação, nasce e se exacerba com a promessa de ascensão social meteórica que a carreira diplomática encerra, equivocadamente ou não, no Brasil. Sim, porque em países considerados desenvolvidos a carreira diplomática é uma carreira profissional como outra qualquer. Mesmo que, há várias décadas, seja a classe média (e não mais a aristocracia de outrora) a que forma a maioria dos diplomatas, passar no concurso do Instituto Rio Branco significa, para um número de indivíduos maior do que o bom senso acharia razoável, transformar-se, numa tacada só, em elite. E a elite quer poder. Como poder de fato só pode ser exercido por poucos, resta o consolo do exercício de poder sobre os "inferiores"hierárquicos. Assim, não é difícil imaginar que a vontade de exercer poder resulte, com grande frequência, em assédio moral e outros desmandos. Os "inferiores" hierárquicos vivem, então, à mercê da vaidade, das frustrações, da ganância, do desequilíbrio e dos desatinos de seus "superiores" e, até hoje, a "Casa" nunca lhes permitiu reagir ao assédio, nunca garantiu direito de defesa e, consequentemente, nunca puniu ninguém Por mais que os tempos tenham mudado, ainda persiste na "Casa" uma noção monarquista que leva a crer que funcionários públicos, de nível superior ou não, são funcionários a serviço de indivíduos e não de uma instituição pública. Espera-se que o funcionário sirva e obedeça cegamente ao chefe, não apenas no trabalho, mas também em sua vida pessoal. Pode até ser justificável que secretárias sejam instadas a se incumbir de aspectos da vida particular de seu chefe para esse tenha tempo de dedicar-se a seu trabalho, mas no Itamaraty, todo inferior hierárquico é "secretária", seja ele concursado, com nível superior,30 anos de serviços prestados, mestrado ou doutorado. Até mesmo diplomatas recebem incumbências de caráter totalmente privado e as aceitam por medo de comprometer suas carreiras. Nesse contexto, a hierarquia não é vista como organização do trabalho, mas como direito divino, superioridade da espécie. 

No entanto, ainda mais inacreditável é que o assédio moral não é cometido somente por indivíduos, mas pela própria instituição, ou seja, várias são as evidências de assédio moral estrutural no Itamaraty. 

Não deixa de ser uma forma de assédio o que ocorreu recentemente no âmbito dos cuidados com a saúde dos funcionários. Com a morte recente de uma diplomata e de uma funcionária administrativa na África, por malária, a única reação do Itamaraty foi a de incluir no formulário de providências de partida uma frase pela qual o funcionário declara ter conhecimento da necessidade de consultar médico antes de viajar e de buscar apoio médico local em caso de enfermidade durante a missão. Ou seja, zero responsabilidade para a instituição. 

A falta de transparência sobre o número de vagas existentes nas Embaixadas/Consulados/Missões e sobre os salários nesses diferentes Postos no exterior também é mostra de que tais aspectos importantíssimos da vida funcional no Ministério, que deveriam estar publicados e disponíveis para que as famílias pudessem se planejar, são usados como fatores de pressão. Os salários são um mistério até dentro da "Casa", sendo as correções salariais nos Postos informadas por expedientes classificados como reservados e, portanto, de difícil acesso, ao arrepio total da legislação vigente. Impedir que os funcionários tenham uma visão clara de suas opções para que somente o interesse da administração impere também é assédio moral.

A variação salarial entre os Postos muitas vezes não se fundamenta em estudos aprofundados sobre o custo de vida e/ou sobre o impacto das dificuldades locais sobre o bem estar dos funcionários, como é a praxe internacional, mas sim espelha a opinião ou as amizades de quem manda. 

Como explicar de outra forma que o salário em Taipei seja o maior pago aos funcionários do Serviço Exterior Brasileiro no exterior e que essa cidade não esteja sequer entre as 50 mais caras do mundo em qualquer pesquisa internacional de custo de vida? Como explicar que uma das 20 cidades mais caras do mundo, Seul, esteja entre os menores salários (o salário de Taipei é 43% maior do que o de Seul)? Como explicar que entre dois Postos na mesma cidade, Montreal, os salários sejam diferentes?

  Regras não publicadas são tão ou mais fortes e imperativas do que regras publicadas e mudam ao gosto de quem detém o poder, como as regras não escritas das promoções, missões transitórias e das remoções. Nesse caso, o assédio moral vem travestido como "interesse da administração". 

Outro aspecto gritante do assédio institucional são os plantões consulares. Funcionários são obrigados a permanecer à disposição e a responder ao público 24 horas por dia, 7 dias por semana, por semanas e, em casos de Postos menores, por meses. A carga horária de trabalho publicada em lei é solenemente ignorada e não há qualquer compensação, apenas punições caso o serviço de "hotline" domiciliar não seja considerado a contento. A lei estabelece que constitui abuso de autoridade qualquer atentado aos direitos e garantias constitucionais assegurados ao exercício profissional (o limite da jornada semanal de trabalho é uma delas) e à inviolabilidade do domicílio.

Não se trata "apenas" de assédio moral. Já que estamos dispostos, que sejam dados nomes a todos os bois: estamos falando de assédio moral, abuso de poder e violência psicológica."

Autor desconhecido 

2 comentários:

  1. Não é autor desconhecido. O autor é o OC Alberto Amarillo, servindo em Sidney.

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  2. Prezada Carolina,

    Até parece ter sido o OC Amarillo, mas não foi. Foi uma diplomata que preferiu não ser identificada!

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